quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

De maneiras que estou na Índia… (parte V)

…mais precisamente, descobrindo os sentidos. Chegado a este ponto, e tendo passado o último fim-de-semana a bezerrar no hotel, qual magnata, decidi tentar descrever aqui o que se sente por estas terras.

Aqui, todos os sentidos estão altamente apurados. Tudo é diferente. É todo um novo mundo de sentidos que se abre, mal saímos do avião. Ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas que falei, e/ ou que vieram comigo, para mim, o primeiro grande impacto foi ao nível do tacto. A sensação de humidade/ calor é algo que, para quem nunca viajou para destinos tropicais destes, faz alguma confusão.

Para as restantes pessoas, o primeiro impacto é ao nível do cheiro. Para mim só tive este impacto passado bastante tempo, mais de uma semana depois, o que não foi mau de todo, uma vez que consegui ter uma habituação gradual. A diferença ao nível do olfacto, é das que mais necessita de esforço e habituação. É tudo muito diferente. Aqui exista a “catinga monhé” que é diferente da que as pessoas que como eu costumam ou costumavam andar de autocarro na hora de ponta em Lisboa, estão habituadas. Diferente não quer propriamente dizer melhor. Nem pensar. Diferente neste caso, quer dizer… diferente. Sim, porque o nível de desagradibilidade é bastante grande também.

Uma das alturas do dia em que se sente com mais ênfase a chamada “catinga monhé”, é quando entramos nos carros. Nós, uma vez que somos 7, temos sempre dois carros com motorista à disposição. 24 horas por dia. Geralmente estão sempre a mudar, mas de vez em quando lá há um que faz uma semanita inteira. Então descobrimos que há uns que deitam aquilo a que se pode chamar de “cheiro altamente pestilento”, o banho, ainda não percebemos a que dia é. Se é que existe um dia… E os pobres dos rapazes, para estarem disponíveis 24 horas por dia, dormem mesmo no carro. São tipo caracóis… Andam com a casa às costas. Ou, vistas as coisas de outro ângulo, trabalham a partir de casa… Por isso é que, muitas vezes quando entramos nos carros, está um cheiro difícil de aguentar. Também pudera, um tipo que não toma banho à uma semana, passa o dia a dormir num carro com as janelas fechadas (vá-se lá saber porquê, uma vez tem estado calor de ananases…) o que é que se estava à espera?

Relativamente à chamada audição, é por demais evidente as diferenças que por aqui abundam. Por lado a língua, que com os seus quase 30 dialectos, é completamente diferente do que estamos habituados na Europa. Aqui vale tudo, desde barulhos a misturar idiomas. Não é raro no meio de conversa de locais, conseguir destrinçar uma ou outra palavra em Inglês. Eles baralham isto tudo. Por outro lado, a quantidade de buzinas que se ouvem em todo o lado, são também algo incomodativas ao princípio quando se chega. Depois, já não se acorda com esse tipo de barulhos. Um outro barulho que eu também não estava habituado é o de gralhas. Se Lisboa é a cidade dos corvos (que diga-se em abono da verdade, não me lembro nunca de ter visto nenhum, sem ser na bandeira da cidade… Já pombos… sim, Lisboa devia ser a cidade dos pombos, apesar de eu nunca ter sido presenteado por nenhum pombo em Lisboa, e tê-lo sido em Copenhaga e em Londres…) Escrevia eu, que se Lisboa é a cidade dos pombos, corvos digo, Bombaim (Mumbai para os amigos) deve ser a cidade das gralhas. E só aqui é que eu percebi o sentido de chamar gralha às pessoas que não se calam. É que elas realmente fazem MUITO barulho. Mas como tudo, é uma questão de hábito.

Por falar em gralhas, no outro dia, estava eu muito bem na piscina do hotel, com os olhos fechados, a ouvir o belo canto das gralhas, e a apanhar um belíssimo banho de sol, quando de repente me passa uma sobra de avião por cima. Abri a pestana para ver o que era, e eis se não quando vejo o que para mim na altura me parecia um falcão a fazer-me uma razia que só de pensar que podia ter ficado sem um bife, até me fez tremer. (é que se há alguém a quem apetece comer um bom bife, esse alguém sou eu, e não achava nada bem o sacana do pássaro andar a comer bife de primeríssima categoria sem sequer pagar um tusto. Para isso comia eu…). Mais tarde, depois do “falcão” ter sobrevoado a psicina aí umas 10 vezes, lá me lembrei do nome do pássaro, que não é falcão nem águia (é mais pequeno) mas que agora infelizmente não me lembro do nome…

Outra coisa completamente diferente para os nossos delicados ouvidos, habituados a música ocidental e comercial, não estão habituados a este tipo de música. É muito diferente da música que se ouve pelos nossos lados. Mas dá para reconhecer as músicas que estão na moda, porque tal como em Portugal, passam umas belas centenas de vezes ao dia em todo o lado.

A visão, como seria de esperar, é outro dos grandes sentidos que tem também grande impacto. Tudo é diferente. Desde a cor das pessoas, passando pela maneira de vestir, pelas ruas, pelas árvores, pelo transito em sentido contrário, e pela maneira de falar. É curioso como é que estes senhores dizem que sim com a cabeça. Enquanto que os ocidentais levantam a cabeça repetidamente para cima e para baixo quando querem dizer que sim, e para olham para um e para outro ombro quando querem dizer que não, na Índia, para dizer que não é da mesma maneira, olham para os próprios ombros, mas para dizer que sim, abanam a cabeça como se fossem tocar com as orelhas nos ombros. Ao princípio, não é fácil estar a explicar uma coisa, e eles a abanarem a cabeça (que também indica algum sinal de respeito). Mas depois uma pessoa habitua-se.

Para acompanhar a música que falei atrás, os Indianos têm sempre um teledisco. Até aqui tudo bem, nada de novo. O que é novo, é que todos os telediscos têm o mesmo enredo. Começa com um homem a tentar “sacar” uma miúda, a miúda diz que não, o tipo insiste, ela volta a recusar, depois vem (e aqui é que a coisa diverge um bocado) ou o pai ou o irmão, a tentar defender a honra da filha. No fim, e depois de muito refrão e más actuações a tentar convencer o futuro sogro/ cunhado, o nosso herói lá consegue e miúda. O que é mais interessante no meio disto tudo são as coreografias. Não há uma música que não tenha uma qualquer coreografia manhosa. Agora por favor tentem imaginar o que é aquele enredo, misturado com coreografias de alto gabarito. Espectáculo, é uma alegria para os sentidos.

Fiz uma pesquisa rápida no youtube, e encontrei este que anda a passar muito por cá. Está com má qualidade, mas é curto, que é o que interessa.



Para quem quiser ver/ ouvir mais, basta fazer um search no youtube por music Bollywood.

Outro grande contraste que se vê bastante, tem a haver com os vestidos das mulheres por aqui. A quantidade de cor é uma coisa impressionante. E são cores com uma vida extraordinária. E quanto mais pobres são, mais sujas são as casas e os homens, mas mais cores têm os vestidos. Esta cor faz um contraste brutal com o ambiente à roda. Foi das coisas que mais me marcou. É muito muito giro.





Por fim só falta o paladar. O paladar senhoras e senhores, é o rei dos sentidos. Aqui não há nada que seja feito como na Europa. E quando digo nada, é mesmo nada. Para começar, tudo é picante, se não é picante pelas especiarias que põe, é pela quantidade de cebola. Espero que a cebola faça bem à saúde, porque este bafo que agora tenho, é bom que venha a servir para mais alguma coisa, para além de murchar as flores que os senhores do hotel, amavelmente me põe aqui no quarto. Quando a comida não é picante, o que raramente acontece, a comida tem um sabor estranho, por exemplo, ainda hoje comi um croissant de chocolate que tinha um belíssimo aspecto, mas que tinha um qualquer travo estranho.

Como aqui já tinha dito, nos primeiros dias, nada me sabia a nada, e nada me cheirava a nada. E estive assim contente e feliz durante mais de uma semana. Tudo o que eu comia não me sabia a nada, ou sabia-me a tudo, e por qualquer sítio que eu andasse, nada me cheirava a nada, ou tudo me cheirava ao mesmo. Esta situação levou a algumas situações engraçadas. Primeiro, a eterna piada do “isto é como o melhoral, não sabe bem, nem sabe mal, sabe-me tudo ao mesmo”, e depois uma situação que eu ainda todas as manhãs fico um bocado frustrado. O que se passa é que eu nos primeiros dias (aqueles onde tudo me sabia ao mesmo) ao pequeno-almoço comia sempre um prato de cereais com leite. Os cereais, eram o que em Portugal se chamam de Frosties, não são mais do que os simples KornFlakes, cobertos de açúcar. Uma bela manhã, estava eu a comer os meus queridos cereais, quando noto uma pequena diferença no sabor. Estes eram de morango. Fiquei lixado. Tinha-me enganado nos cereais. Quando fui trocar não havia dos Frosties. Nos dias seguintes também não. Foi então que virei a minha atenção para um senhor alto e com uma proeminente barriga que estava sempre ao lado da porta da cozinha. Descobri que o senhor fazia Waffles. E eu gosto muito de Waffles. A certa altura comecei a ver que nunca mais apareciam os meus queridos cereais. Foi passada aí uma semanita que se me deu o clic. Eu estivera uma semana a comer inadvertidamente os cereais de morango, mas como estava todo entupido, não me sabiam a nada… E no dia em que realmente me souberam a morango, foi o dia em que eu estava curado!

Nota (quase) final, eu não gosto muito dos termos olfato, visão, tacto, paladar e audição, é claro que preferia o cheirar, ver, sentir, saborear, e ouvir, mas achei que ficava melhor com os nomes oficiais.

Li uma vez uma frase do Leonnard Bernstein, que dizia mais ou menos isto: “Quando a inspiração vem, é excelente e corre tudo bem, mas um artista tem de procurar maneira de arranjar maneira de preencher o tempo em que ela não vem, caso contrário poderá ser uma longa espera”

Foi mais ou menos o que tentei fazer aqui. É certo que este não foi o dia mais inspirado, mas mesmo assim, tive de arranjar maneira de escrever qualquer coisa, para não perder o hábito, e a preguiça não ganhar. Sim porque por estas terras de monhés, já são quase 3:30 da manhã, e o pequeno-almoço amanhã acaba às 10.30. A piscina, mais uma vez irá estar à minha espera…

Sem comentários: