quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

De maneiras que estou na Índia… (parte III) (Updated)

…mais precisamente, no trânsito! Como alguns devem saber, o trânsito na Índia é dos mais doidos do mundo, senão mesmo o mais doido. Dentro da Índia, há ainda uma cidade que é pior que tudo. Essa cidade não é nem mais nem menos Bombaim (Mumbai para os amigos), a cidade onde estou a passar as 5 semanas mais… diferentes da minha curta existência.

Vou tentar descrever, dentro do possível, como é que funciona o trânsito por aqui. Mas por favor ter em atenção que qualquer coisa que aqui for descrita, não consegue passar a totalidade da realidade que aqui ocorre todos os dias, a toda a hora, a todo o instante.

Em primeiro lugar há que referir que o Indiano adora buzinar. Não é possível estar nesta cidade mais de… 5 segundos sem ouvir alguém a buzinar. (e olhem que estou a ser optimista nos 5 segundos). Aliás os indianos orgulham-se bastante de ter uma pintura na parte traseira dos carros a dizer “HORN OK PLEASE”, mais de metade dos carros diz isto na traseira. Já percebi no entanto que a buzina serve como espelho retrovisor dos outros, ou seja, as pessoas não precisam de ter retrovisores, para isso, estão as buzinas de toda esta malta… Sendo assim a maioria não tem espelhos retrovisores exteriores, e os que têm, usam-no de maneira diferente da nossa…

Para começar, qualquer rua com 1 faixa de cada lado, passa imediatamente a uma rua com faixa e meia para cada lado na melhor das hipóteses, ou então para uma rua com 2 faixas de cada lado. Uma rua com 2 faixas de cada lado, já é uma rua com possibilidade de pelo menos 4 carros de cada lado. Para tal, os carros têm de andar tão juntinhos, tão juntinhos, que um ocidental normal julga sempre que é desta que os carros vão bater. Mas o que é facto é que é raro isso acontecer. O que acontece geralmente é carros avariados na berma da estrada, o que ajuda sempre a complicar ainda mais o trânsito, mas batidelas não é muito costume. É claro que acontecem, aliás, estranho seria se não acontecessem… É então para ver se o carro está longe ou perto (ou seja se está a 1 ou a 5 cm do carro do lado) que servem os retrovisores exteriores. Estando estes bastante mais inclinados para dentro e para baixo do que os ocidentais.

Mas nem só de carros vive o trânsito indiano. O que não falta aqui são: bicicletas, motas, ricxós (ou tuc-tucs como quiserem), peões, carrinhos de mão e atrelados (sendo que os atrelados, são carrinhos de mão mas ao contrário). Para não falar nas vacas sagradas que cirandam por tudo quanto é sítio, parando indiferentes onde quer que seja, no meio da rua, do passeio, etc.

Aqui nesta terra deve ser o único sítio no mundo onde as motas são um transporte familiar. Consegue-se ver famílias inteiras em cima duma mota, pai, mãe e dois filhos… Já vi também 5 jovens (o que eu gosto da palavra “jovens”…) em cima duma mota. Quanto a capacetes, isso é só para alguns, mas uma coisa é certa, nunca existem dois capacetes numa só mota, o(s) pendura(s) nunca tem capacete, o piloto, tem às vezes.

Toda esta mistura torna tudo muito mais giro, porque se sabe o que é que vai acontecer a seguir. Já vi coisas que nunca imaginei, por exemplo, no outro dia, ultrapassámos um carro, e quando íamos a voltar à nossa faixa, estava lá um pano… O carro que ia à frente estava a puxar o carro que ia atrás com um pano agarrado aos dois carros. É lindo! Outra cena gira, foi um dia em que um motorista dum ricxó (ou tuc-tuc como quiserem) estava a guiar e a empurrar outro com o pé! Claro está que o pé estava descalço! (tenho a ligeira sensação de já ter contado esta história aqui antes). Por aqui, há uma grande percentagem de pés descalços. Ontem no aeroporto, estava um homem vestido de branco, com o cabelo branco, de sandálias com os dedos de fora. Pelo aspecto dos dedos e das unhas, o homem deve ter andado descalço nos últimos 125 anos. Eu acho que nunca vi tanto sarro junto, é capaz de ter sido o mais arrepiante par de pés que eu alguma vez vi, tive a nítida sensação de já ter visto uns pés parecidos, mas mais arranjadinhos num dos filmes da trilogia do Parque Jurássico. Voltando aos ricxós (ou tuc-tucs como quiserem), eles são sempre guiados com pelo menos uma mão no volante (a outra sabe Deus onde está), com um pé descalço no pedal e com o outro pé descalço e imundo debaixo da perna, a apontar a palma suja e porca para qualquer transeunte mais incauto que por ali tenha o grande azar de deitar o olho. Estes veículos à primeira vista levam 2 pessoas mais o motorista, mas isso é à vista dum Europeu maluco, porque os indianos são capazes de encontrar ali a módica quantia de 15 lugares mais motorista. E mais uma vez estou a ser reservado… Aquilo, acho que leva tantas pessoas como uma carruagem do metro de Lisboa.



Uma coisa curiosa que se vê muito quando se está no trânsito é a quantidade de lixo que se acumula nas bermas. E ao mesmo tempo a quantidade de gente às quais lhes dá uma súbita vontade de fechar a pestana, e se deita ali mesmo onde está, enrosca-se bem, e dorme a merecida sesta. Não há cá um deixa-me aqui encostar aqui que está mais abrigado, ou à sombra, ou resguardado, ou escondido. Não, é mesmo ali no meio do passeio, no meio da rua… faz muita, mas mesmo muita confusão. O nível de pobreza é grande, muito grande. A quantidade de barracas é assustadora, e tomar banho ao lado dos carros a passar é uma cena normal nesta cidade. Acho que se faz de tudo na berma do passeio. Um barbeiro só precisa duma cadeira. Já vi mais barbeiros nestas terras em 15 dias, do que em Lisboa onde vivi quase 30 anos. Eles estão em todo o lado a qualquer hora. Alguns têm um espelho e tudo. Mas isto tudo no meio da rua.



Já apanhei valentes sustos no meio do trânsito. A quantidade de vezes que eu achava que ia bater em alguém, não têm conta. Os carros aqui são velhos, e parece sempre que não têm travões. Mas o que é facto é que como são velhos, fazem mais barulho, e por isso parece que vão mais depressa do que aquilo que realmente vão. E os tipos são peritos em desviar à última hora. E mesmo que se desviem os dois, desviam em sentidos diferentes, o que é extraordinário. Eles lá se entendem com as suas buzinadelas, mas eu é que não me estava a ver a arriscar dar umas voltas a guiar por aqui. Quanto mais não seja, porque por aqui guia-se ao contrário, ou seja, pela esquerda, o que torna tudo ainda mais excitante. Nós costumamos dizer que a feira popular comparada com uma volta aqui, é para meninos. Ainda por cima o nosso motorista é meio avariado da moleirinha, e gosta que nós estejamos a hora nos sítios, de preferência antes de tempo, às vezes parece que vamos chegar ao destino, mesmo antes de sairmos da origem, tal não é a rapidez com que ele nos leva.

Outra coisa engraçada por aqui são os táxis. São todos iguais, e são pelo menos do tempo em que ainda não havia carros sem ser de mudanças no volante. São amarelos e pretos, e muitos deles têm o que costumamos chamar de tuning indiano. Que ou são luzes azuis dentro do carro, ou uns “templos” que os tipos arranjam para por no tablier. Acontece também muito haver táxis com os dois, ou mesmo o próprio templo ser de luzinhas coloridas. Templos são aquelas cenas que os indianos adoram, tipo a cheeva, ou o homem com cabeça de elefante.

As mulheres que guiam devem ser menos de 20, e nenhuma delas guia táxis. Aliás, na rua vêm-se à volta de 1 mulher para cada 50 homens. Das duas uma, ou não existem ou estão fechadas em casa. Mas o que é um facto, é que segundo “costumes locais” os homens andam muito de mão dada, ou com o braço em cima um do outro, como se fossem novos amigos, na primeira classe. Mas a mim não me enganam, já ouvi chamar de muita coisa, agora de costumes locais… estão a querer enganar quem???

Existe também outro tipo de veículo bastante comum por estas bandas que é o chamado “Goods carrier” que são grande camiões que transportam de tudo, e que são muito coloridos, e dizem sempre em cima “Goods Carrier”. Muitas vezes, vêm-se estes camiões carregados, e em cima deles, vêm-se uma catrefada de homens a dormir, a conversar, a fazer o que for, descalços claro está. Eu só penso: vai uma travagem mais forte e… já foste.

Semáforos? Sinais de transito? Qué lá isso pá genti? Isso só serve mesmo como mais um sítio onde um homem pode mudar a água às azeitonas. De resto… assim à primeira vista, não estou a conseguir imaginar uma outra utilidade para este tipo de aparelhos. É só uma questão de ir metendo o nariz. Passadeiras? Esquece, o melhor é mesmo não parares, ou então arriscas-te a ficar lá os próximos 15 minutos, com a quantidade de pessoas que estão para atravessar.

Por tudo isto e por muito mais, é que eu tenho algum medo da notícia que veio na semana passada que a Tata quer democratizar o carro, conseguindo fazer um (o chamado Nano) por cerca de 1.700 €. Se a moda por aqui pega, eu não quero cá voltar daqui a 2 ou 3 anos… é que se isto já é a loucura que é com os carros que há, quando qualquer pessoa puder ter um Nano, eu não quero pensar como é que ficará…


Existem vários filmes no youtube, com filmagens do transito em Bombaim (Mumbay para os amigos), deixo aqui dois exemplos, mas para ver mais, é só fazer uma pesquisa por traffic in Mumbay, que aparecem logo dezenas deles...






PS - Desculpem a qualidade das fotos, mas não preparei fotograficamente para esta crónica... melhores fotos virão. Espero!

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